Obrigações de Dar

segunda-feira, fevereiro 27, 2012


Conceituação do tema
Obrigação de dar: é aquela em que o devedor se compromete a entregar ao credor pecúnia, bem móvel ou imóvel, certo ou incerto, quer para constituir novo direito, quer para restituir um já existente.

Obrigação de dar coisa certa: é aquela em que o devedor se compromete a entregar ao credor coisa certa, corpo individuado, distinto de todos os outros que lhe são iguais por serem do mesmo gênero, móvel ou imóvel.

Obrigação de dar coisa incerta: é aquela em que o devedor se compromete a entregar ao credor coisa incerta, indicada ao menos pelo gênero e pela quantidade, faltando que se determine sua qualidade(o que fará dela coisa certa).

Obrigação de dar pecuniária: é aquela em que o devedor se compromete a entregar ao credor quantidade em pecúnia; soma em dinheiro.

Interpretação da Legislação referente ao tema(Lei. n. 10.406/02)

·       Art. 233: Abrangência da obrigação de dar coisa certa. A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela decorrente, embora não seja mencionado isto. Só não abrangerá se as partes assim dispuserem no título da obrigação(contrato) ou dependendo das circunstâncias do caso. Ex. se contrato a compra de uma égua, se ela estiver grávida, a obrigação abrangerá o filhote, se do contrato não dispuser o contrário.

·       Art. 234: Efeitos jurídicos da perda TOTAL da coisa a ser entregue sem culpa do devedor e com culpa do devedor. Se acontecer de a coisa certa se perder, SEM CULPA do devedor, antes de ter sido entregue ao credor, ou pendente condição suspensiva, estará resolvida a obrigação para ambas as partes(devendo devedor restituir aquilo que porventura já tenha recebido do credor). Se a coisa se perder COM CULPA DO DEVEDOR, antes da entrega ao credor, responderá o devedor pelo equivalente(preço da coisa) mais perdas e danos do credor.

·       Art. 235: Efeitos jurídicos da deterioração da coisa a ser entregue sem culpa do devedor. Deteriorada a coisa(i. é, sofrendo abatimento em seu valor ou em suas qualidades), SEM CULPA DO DEVEDOR, pode o credor recebê-la com o abatimento do valor da deterioração ou resolver a obrigação(restituindo-se as partes ao status quo ante).

·       Art. 236: Efeitos jurídicos da deterioração da coisa a ser entregue com culpa do devedor. Deteriorada a coisa, COM CULPA DO DEVEDOR, poderá o credor exigir o equivalente(preço), ou aceitar a coisa no estado em que se encontra, podendo em ambos os casos reclamar perdas e danos.

·       Art. 237: Propriedade dos melhoramentos e acrescidos. Até a tradição(entrega) da coisa, os melhoramentos e acrescidos pertencerão ao devedor, que poderá aumentar o preço da mesma para compensá-los se eles tiverem de ser entregues com a coisa, e se o credor não concordar com o aumento do preço, poderá o devedor, para evitar enriquecimento sem causa do credor, ao receber sem pagar o aumento do preço, resolver a obrigação.

·      Parágrafo único: Propriedade dos frutos. Os frutos pertecem ao devedor quando já percebidos, e ao credor quando pendentes na tradição.

·       Art. 238: Efeitos jurídicos da perda da coisa a ser restituída sem culpa do devedor. Sendo a obrigação de restituir coisa certa, e esta, SEM CULPA DO DEVEDOR, se perder, antes da tradição(entrega), sofrerá o credor a perda(por ser a coisa sua), e a obrigação se resolverá; no entanto, pode o credor cobrar seus direitos até o dia da perda, assim, por exemplo, se for um carro alugado que se incendiar ou for furtado, poderá o credor exigir o aluguel deste até o dia da perda do veículo.

·       Art. 239: Efeitos jurídicos da perda da coisa a ser restituída com culpa culpa do devedor. Sendo a obrigação de restituir coisa certa e esta, antes da tradição, COM CULPA DO DEVEDOR, se perder, será este responsável pelo pagamento de seu equivalente(preço) mais perdas e danos.

·       Art. 240: Efeitos jurídicos da deterioração da coisa a ser restituída sem culpa do devedor e com culpa do devedor. Sendo a obrigação de restituir coisa certa, e antes da tradição, esta se deteriorar SEM CULPA DO DEVEDOR, recebê-la-á o credor tal qual se encontre, sem direito a indenização(vez que se esta fosse permitida estaria sendo tutelado uma injustiça, vez que o devedor não teve culpa pela deterioração da coisa); deteriorando-se a coisa restituível COM CULPA DO DEVEDOR, este deverá responder pelo equivalente mais perdas e danos.

·       Art. 241: Melhoramento ou acrescido em obrigação de restituir sem trabalho ou despesa do devedor. Sobrevindo melhoramento ou acrescido em obrigação de restituir coisa certa, sem despesa ou trabalho do devedor, lucrará o credor sem precisar indenizar, vez que não houve esforço do devedor para o melhoramento ou acrescido; se houvesse indenização ocorreria enriquecimento sem causa por parte do devedor.
·      Art. 242: Melhoramento ou  acrescido em obrigação de restituir com trabalho ou despesa do devedor. Sobrevindo melhoramento ou acrescido em obrigação de restituir coisa certa, com despesa ou trabalho do devedor, o caso obedecerá as regras atinentes as benfeitorias(Art. 96 do CC), caso em que poderão ser voluptuárias(as de mero deleite que são de alto valor, ou não aumentem o uso habitual do bem, nem o tornem mais agradável), úteis(quando aumentarem ou facilitarem o uso do bem) e necessárias(quando forem indispensáveis para conservação do bem, evitando que se deteriores), realizadas de boa ou de má-fé. Assim sendo, ex vis Art. 1219 do CC, tem o devedor de boa-fé direito de se ver indenizado nas benfeitorias úteis e necessárias, e no caso das voluptuárias, ele tem o direito de levantá-las(se possível) caso o credor não queira indenizá-lo. Devedor de má-fé tem direito apenas as indenizações pelas benfeitorias necessárias, pois caso não as fizesse o bem iria se deteriorar, mas as outras, por tê-las feito de má-fé e o direito não amparar a má-fé, não pode ser indenizado. Se o credor não quiser pagar ao devedor de boa-fé as indenizações pelas benfeitorias úteis e necessárias, poderá este reter a coisa, como forma de tutela específica; o mesmo se aplica ao devedor de má-fé quanto as necessárias.

·       Parágrafo único: Direito do devedor de boa-fé(ou de má-fé) aos frutos. Poderá o devedor de boa-fé ficar com os frutos que foram colhidos(percebidos) na época própria, devendo, no entanto, devolver aqueles que foram percebidos  com antecipação. O devedor de má-fé deverá repassar ao credor, dando-lhe o equivalente mais perdas e danos pelos frutos percebidos, e aqueles que ele(credor) deixou de perceber.

·       Art. 243: Conceito de coisa incerta. A coisa incerta será indicada pelo gênero e pela quantidade, ficando a qualidade, que a transformará em coisa certa para ser indicada a posteriori, pois se indicada fará com que a coisa deixe de ser incerta.

·       Art. 244: Reserva legal do direito de escolha(concentração). A escolha da coisa incerta(para se transformar em certa), não sendo nada convencionado no contrato, caberá ao DEVEDOR, que no entanto não poderá prestar a pior coisa, nem estará obrigado a prestar a melhor, devendo, desta forma, prestar a coisa média.

·       Art. 245: Cientificação da escolha e vigência das normas da coisa certa. Cientificado o credor da escolha da coisa, esta deixa de ser coisa incerta, e passam a vigorar as normas da coisa certa, vez que se terá coisa determinada pelo gênero, quantidade, e qualidade(características típicas da coisa certa, que não se confunde com outra da mesma espécie, por ser corpo individuado).

·       Art. 246: Impossibilidade de perda da coisa antes da escolha. Antes da escolha da coisa, ela só é determinada pelo gênero e quantidade, portanto não é certa ainda, não podendo o devedor, caso perca-a, alegar impossibilidade do cumprimento da obrigação, pois pode restitui-la por outra, já que o gênero, quando não for limitado(ex. café da fazenda do Tio Candido, vinho da safra de 1989), poderá sempre ser substituído, por nunca perecer(genus nunquam perit).

Aspectos doutrinários do tema

Segundo Venosa, “obrigação de dar é aquela em que o devedor se compromete a entregar uma coisa móvel ou imóvel ao credor quer para constituir novo direito, quer para restituir a mesma coisa a seu titular”.

A obrigação de dar consiste, segundo Carlos Roberto Gonçalves, quer em transmitir a propriedade ou outro direito real, quer na simples entrega de uma coisa em posse, em uso ou à guarda.

As obrigações de dar assumem a forma de entrega e restituição de determinada coisa pelo devedor ao credor; assim sendo, por exemplo, na compra e venda – que gera obrigação de dar para ambos os contratantes – a do vendedor é cumprida medianta a entrega da coisa vendida, e a do comprador com a entrega do preço combinado; no comodato, a orbigação de dar assumida pelo comodatário é cumprida mediante restituição da coisa infungível emprestada gratuitamente.

Os atos de entregar ou restituir podem ser resumidos numa única palavra: tradição(que denota  entrega, transmissão, transferência).

Nas obrigações de dar propriamente ditas, o devedor operará a tradição da coisa e com ela transferirá, de si para o credor, o domínio, a propriedade da coisa.

Nas obrigações de restituir o devedor operará a tradição da coisa APENAS devolvendo-a ao credor, o seu dono, proprietário - que é quem detém a propriedade.

A transferência do domínio(propriedade)  se dá pela tradição quando coisa móvel(Art. 1267), e pelo registro do título traslativo(escritura pública, sentença judicial etc) no registro imobiliário(Art. 1245).

A obrigação de dar é obrigação de prestação de coisas, que podem ser determinadas, ou coisas certas(Art. 233 a 242 do CC), e  indeterminadas, ou coisas incertas(Art. 243 a 246 do CC).



ǂ   Obrigação de Dar Coisa Certa

Obrigação de dar coisa certa, ou também chamada de obrigação específica, é aquela em que a coisa é um corpo certo, determinado, individuado, separado, apartado de todos aqueles que lhe são iguais por serem do mesmo gênero.

Coisa certa é coisa individualizada, que se distingue das demais por características próprias, seja móvel ou imóvel. A venda de determinado automóvel, por exemplo, é negócio que gera obrigação de dar coisa certa, pois um veículo distingue-se de outros pelo número do chassi, do motor, da placa etc.

Nessa modalidade de obrigação, o devedor se compromete a entregar, ou a restituir ao credor um objeto perfeitamente determinado, que se considera em sua individualidade, como, por exemplo, certo quadro de um pintor célebre, o imóvel localizado em determinada rua e número, a cadeira do Dr. Bianco durante uma palestra etc.

A obrigação de dar coisa certa confere ao credor simples direito pessoal (jus ad rem) e não direito real (jus in re). O contrato de compra e venda, por exemplo, tem natureza obrigacional; o vendedor apenas se obriga a transferir o domínio da coisa certa ao adquirente; e este, a pagar o preço. A transferência do domínio depende de outro ato: a tradição, para os móveis (CC, arts. 1.226 e 1.267); e o registro, que é uma tradição solene, para os imóveis (arts. 1.227 e 1.245).

Assim sendo, se “A” trata com “B” a compra e venda de um cavalo alemão, chamado de Prelúdio, decidindo que fará o pagamento e só virá buscar o cavalo no final de semana, ele ainda não é o dono do cavalo, posto que não houve a tradição da coisa, isto é, a entrega do cavalo; o Art. 237 preceitua que “até a tradição pertence ao devedor a coisa”. De acordo com o teor do Art. 237 se, porventura, cair um raio no estábulo onde estava o cavalo Prelúdio e o matar, antes da tradição, resolver-se-á a obrigação, nos termos do Art. 234, primeira parte; tendo culpa o devedor deverá este responder pelas perdas e danos ex vis Art. 234, segunda parte.

Na obrigação de dar coisa certa o devedor é obrigado a entregar ou restituir uma coisa inconfundível com outra. O devedor da coisa certa não pode dar outra, ainda que mais valiosa, nem o credor é obrigado a recebê-la. Dispõe o Art. 313 do Código Civil: “O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa”.

A entrega de coisa diversa da prometida importaria modificação unilateral da obrigação, e como vimos pela regra do Art. 313, via de regra, não se permite, na obrigação de dar coisa certa, que o devedor pague com coisa diversa da determinada, ainda que esta seja mais valiosa;  todavia, podem credor e devedor, havendo acordo de vontade determinar que outra seja a coisa a ser entregue, denomina-se  isso de novação objetiva, a qual só pode ocorrer nos casos em que houver consentimento de ambas as partes(credor e devedor). Do mesmo modo, a modalidade do pagamento não pode ser alterada sem o consentimento destas, mas havendo consentimento, nada impedirá que haja(dação em pagamento – Art. 356).

O credor de coisa certa não pode pretender receber outra coisa ainda que de valor igual ou menor que a devida, e possivelmente preferida por ele, pois a convenção é lei entre as partes. A recíproca, portanto, é verdadeira: o credor também não pode exigir coisa diferente, ainda que menos valiosa. A dação em pagamento (entrega de um objeto em pagamento de dívida em dinheiro), por exemplo, depende do expresso consentimento do credor (CC, Art. 356)

No direito brasileiro o contrato, por si só, não basta para a transferência do domínio. Por ele criam-se apenas obrigações e direitos(que não reais). Dispõe, o Art. 481 do CC que, pelo contrato de compra e venda, “um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e, o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”. Não se transfere, portanto, o domínio(direito real) pelo contrato ou pela obrigação.

O domínio se adquire pela tradição(entrega da coisa) se for coisa móvel, e pelo registro do título (tradição solene) se for imóvel. Desse modo, se “A” possuir o contrato que institui uma hipoteca ou uma servidão, ou contém promessa de transferência do domínio de imóvel, se esse não estiver registrado no Cartório de Registro de Imóveis, existirá entre “A” e “B” apenas um vínculo obrigacional. O direito real, com todas as suas características, somente surgirá após o registro do título translativo.

A obrigação de dar gera apenas um crédito e não direito real. Por si só ela não transfere o domínio, que é adquirido só pela tradição; com a execução desta pelo devedor, o credor converte-se no proprietário, que é aquele que detém a propriedade, o domínio.

A tradição e o registro no Cartório de Registro de Imóveis não constituem novos negócios bilaterais; eles se quer são considerados atos abstratos.

O Art. 1.268, §2° do CC preceitua que “Não transfere a propriedade a tradição, quando tiver por título um negócio jurídico nulo”.

Advirta-se que a tradição, no caso das coisas móveis, depende ainda, como ato jurídico do obrigado, para transferir o domínio, da vontade deste(vontade do obrigado, do devedor). Só é modo de adquirir domínio quando acompanhada da referida intenção — o que não ocorre no comodato, no depósito, no penhor, na locação etc, onde não há essa vontade, essa intenção, esse “animus”.

A tradição, que pressupõe um acordo de vontades, um negócio jurídico de alienação, quer a título gratuito, como na doação, quer a título oneroso, como na compra e venda, pode ser:

a)      Real, quando envolve a entrega efetiva e material da coisa;
b)     Simbólica, quando representada por ato que traduz a alienação, como a entrega das chaves do veículo vendido;
c)      Ficta, no caso do constituto possessório (cláusula constituti), onde a posse se origina de forma derivada, pois, não há a tradição da coisa. Ocorre, por exemplo, quando o vendedor, transferindo a outrem o domínio da coisa, conserva-a todavia em seu poder, mas agora na qualidade de locatário. É aquela em que a pessoa que recebe a coisa já era possuidor da mesma (exemplo: entrega do imóvel à aquele que já era locatário da coisa)

OBSERVAÇÃO:  a cláusula constituti é cláusula que assegura a pessoa a continuar na posse do bem, embora a outro título; tal cláusula não se presume e deve constar, expressamente, do ato ou resultar de estipulação que a pressuponha.

Enquanto não ocorrer a tradição, na obrigação de entregar, a coisa continuará pertencendo ao devedor, “com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação” unilateralmente (CC, art. 237), pois nesse caso haveria ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DO CREDOR, que sem pagar o aumento do preço, estaria levantando vantagem na obrigação em detrimento do devedor. Assim, por exemplo, se o objeto da obrigação for um animal, e este der cria, o devedor não poderá ser constrangido a entregá-la; pelo acréscimo, tem o direito de exigir o aumento do preço se o animal não foi adquirido juntamente com a futura cria, e se o credor se recusar a pagar, poderá resolver UNILATERALMENTE a obrigação para evitar o ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DO CREDOR.

OBSERVAÇÃO: Melhoramento é tudo quanto opera mudança para melhor, em valor, em utilidade, em comodidade, na condição e no estado físico da coisa.|  Acrescido é tudo que se ajunta, que se acrescenta à coisa, aumentando-a.|  Frutos são as utilidades que uma coisa periodicamente produz. Nascem e renascem da coisa, sem acarretar-lhe a destruição no todo ou em parte, como o café, os cereais, as frutas das árvores, o leite, as crias dos animais etc

Exemplo notável sobre melhoramento na doutrina é o de Fábio Ulhoa Coelho, onde,  um dos oitenta auto-retratos de Rembrandt, feito em 1634, foi alterado por um de seus assistentes (ao que consta, a pedido do próprio mestre, para tentar vender o quadro mais facilmente). O assistente pintou sobre o rosto do famoso pintor flamengo um bigodudo e encabelado nobre russo com um engraçado gorro vermelho. A tela foi, por cerca de três séculos, negociada como sendo da 'oficina de Rembrandt', evidentemente a preços menores do que o das pintadas pelo próprio Rembrandt. Nos anos 1930, descobriu-se o auto-retrato sob as camadas de tinta do assistente e, nos anos 1980, elas foram removidas. A descoberta de que a tela tinha sido originariamente pintada por Rembrandt representou um extraordinário melhoramento na coisa, pois, a partir de então, atingiu preços consideravelmente maiores (em 2003, ela foi arrematada num leilão da Sotheby's por mais de 11 milhões de dólares). Se essa descoberta acontece, imagine-se, entre a constituição e a execução de obrigação de dar que tem a tela por objeto, sucede melhoramento que altera os direitos dos sujeitos nela vinculados

Também os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os pendentes (CC, art. 237, parágrafo único).
O devedor faz seus os frutos percebidos até a tradição porque ainda é proprietário da coisa. A percepção dos frutos foi exercício de um poder do domínio. Os frutos pendentes, ao contrário,  passam com a coisa ao credor, porque a integram até serem dela separados, e não podem ser usados para pedir acréscimo no preço, uma vez que se produzem periodicamente e são da substância da coisa.

Na obrigação de dar, consistente em restituir coisa certa, dono é o credor, com direito à devolução, como sucede no comodato e no depósito, por exemplo. Nessa modalidade, inversamente, se a coisa teve melhoramento ou acréscimo, “sem despesa ou trabalho do devedor, lucrará o credor, desobrigado de indenização” (CC, art. 241).

É a hipótese, verbi gratia, do art. 1.435, IV, do estatuto civil, pelo qual o credor pignoratício é obrigado restituir a coisa, “com os respectivos frutos e acessões, uma vez paga a dívida”, bem como do art. 629, segundo o qual o depositário é obrigado a restituir a coisa “com todos os frutos e acrescidos, quando o exija o depositante”.

Todavia, se para o melhoramento ou aumento “empregou o devedor trabalho ou dispêndio, o caso se regulará pelas normas deste Código atinentes às benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé ou de má-fé” (CC, art. 242)

O Art. 1.219 do Código Civil impõe que estando o devedor de boa-fé, tem direito à indenização dos melhoramentos ou aumentos necessários e úteis; quanto aos voluptuários, se não for pago do respectivo valor, pode levantá-los (jus tollendi), quando o puder sem detrimento da coisa e se o credor não preferir ficar com eles, indenizando o seu valor. O objetivo é evitar o locupletamento sem causa do proprietário pelos melhoramentos então realizados pelo devedor.

Se necessário, poderá o devedor exercer o direito de retenção da coisa pelo valor dos melhoramentos e aumentos necessários e úteis, como meio coercitivo de pagamento do credor.

Contudo, se o devedor estava de má-fé, ser-lhe-ão ressarcidos somente os melhoramentos necessários, não lhe assistindo o direito de retenção pela importância destes, nem o de levantar os voluptuários, porque obrou com a consciência de que praticava um ato ilícito, e o Direito não protege a má-fé. Faz jus à indenização dos melhoramentos necessários porque, caso contrário, o credor experimentaria um enriquecimento indevido, sem causa.

Prescreve o art. 233 do Código Civil: “A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso”. É uma decorrência do princípio geral de direito, universalmente aplicado, segundo o qual o acessório segue o destino do principal (accessorium sequitur suum principale). Principal é o bem que tem existência própria, que existe por si só. Acessório é aquele cuja existência depende do principal, sendo por si só insignificante.

Nada obsta a que se convencione o contrário, podendo o contrário resultar não só de convenção, como de circunstâncias do caso. Por exemplo: embora o alienante responda pelos vícios redibitórios, certas circunstâncias podem excluir tal responsabilidade, como o conhecimento do vício por parte do adquirente.

Isso quer dizer que se eu for comprar um relógio, esse compreenderá a máquina, a pulseira e as baterias, mas nada me impede de comprar apenas as baterias, ou a pulseira do relógio, basta isso constar do título da obrigação, isto é, do contrato.

O princípio de que “o acessório segue o principal” aplica-se somente às partes integrantes (frutos, produtos e benfeitorias), mas não às pertenças, que não constituem partes integrantes e se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro bem (CC, art. 93). Prescreve, com efeito, o art. 94 do Código Civil que “os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso”.

Desse modo, mesmo inexistindo disposição em contrário, as pertenças, como o mobiliário, por exemplo, não acompanham o imóvel alienado ou desapropriado.

Às vezes, no entanto, a obrigação de dar não é cumprida porque, antes da entrega ou da restituição, a coisa pereceu ou se deteriorou, com culpa ou sem culpa do devedor. Perecimento significa perda total; e deterioração, perda parcial da coisa, ela não se encontra mais na forma como era antes.

Se o veículo, que deveria ser entregue, incendeia-se, ficando totalmente destruído, ou é furtado ou roubado, por exemplo, diz-se que houve perda total. Se o incêndio, no entanto, provocou apenas uma pequena avaria, a hipótese é de deterioração, posto que não está como antes, mas ainda existe e pode ser entregue.

Mormente é interessante pensar: “Quem deve, nesses casos, suportar o prejuízo?” Tal questão diz respeito à atribuição dos riscos na obrigação de dar frustrada e é de maior importância, sendo tratada no CC, que apresenta solução para as diversas hipóteses que podem ocorrer, como, por exemplo, para a do vendedor que, já tendo recebido o preço, se vê impossibilitado, sem culpa e em razão do caso fortuito ou de força maior, de entregar a coisa alienada(deve-se resolver a obrigação pura e simplesmente, devendo o vendedor restituir a importância paga ao credor).

Regem-se tais casos pelo princípio básico do res perit domino, ou seja, a coisa perece para o dono. Efetivamente, o outro contratante, que não é dono, nada perde com o seu desaparecimento.  É o dono que deverá suportar a perda da coisa ou sua deteriorização.

Em caso de perecimento (perda total) de coisa certa antes da tradição, é preciso verificar, primeiramente, se o fato decorreu de culpa ou não do devedor.

Prescreve o art. 234, primeira parte, do Código Civil que, se “a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva(que é aquele evento futuro e incerto que garante a eficácia, a aquisição do direito), fica resolvida a obrigação para ambas as partes”. O devedor, obrigado a entregar coisa certa, deve conservá-la com todo zelo e diligência. Se, no entanto, apesar de sua diligência, ela se perde, sem culpa sua (destruída por um raio, p. ex.), antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, a solução da lei é esta: resolve-se, isto é, extingue-se a obrigação para ambas as partes, que voltam à primitiva situação (statu quo ante). SEM NESSE CASO HAVER SANÇÃO CIVIL > PERDAS E DANOS. Se o vendedor já recebeu o preço da coisa, deve devolvê-lo ao adquirente, em virtude da resolução do contrato, sofrendo, por conseguinte, o prejuízo decorrente do perecimento

OBSERVAÇÃO: perdas e danos compreende o dano emergente mais o lucro cessante. PERDAS E DANOS = DANO EMERGENTE + LUCRO CESSANTE.

Quem sofre o prejuízo, pois, na obrigação de entregar, que emerge de uma compra e venda, por exemplo, havendo perecimento(perda total) da coisa, sem culpa, é o próprio alienante, pois continua sendo o proprietário, até a tradição e res perit domino. O princípio é reiterado no art. 492 do Código Civil: “Até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do comprador”.

Havendo perecimento da coisa com culpa do devedor, outra é a solução.

A culpa acarreta a responsabilidade pelo pagamento de perdas e danos. É a sanção civil que será aplicada no devedor que deveria ter diligenciado melhor para evitar a perda total, o perecimento da coisa.

Neste caso, tem o credor direito a receber o seu equivalente(preço da coisa) em dinheiro, mais as perdas e danos comprovadas. Dispõe, com efeito, o art. 234, segunda parte, do Código Civil: “se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos”. Quando a lei se refere ao termo “equivalente”, quer mencionar o equivalente em dinheiro; deve o devedor entregar ao credor não outro objeto semelhante, mas o equivalente em dinheiro, que corresponde ao valor do objeto perecido(seu preço), mais as perdas e danos, que denotarão o prejuízo invocado.

As perdas e danos, como dito, compreendem o dano emergente e o lucro cessante, ou seja, além do que o credor efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar (CC, art. 402). Devem cobrir, pois, todo o prejuízo experimentado e comprovado pela vítima, isto é, pelo credor.

Em caso de deterioração ou perda parcial da coisa também importa saber, preliminarmente, se houve culpa ou não do devedor. Não havendo culpa, poderá o credor optar por resolver a obrigação, por não lhe interessar receber o bem danificado, voltando as partes, neste caso, ao estado anterior(status quo ante); ou aceitá-lo no estado em que se acha, com abatimento do preço, proporcional à perda. Tem, nesse caso, o credor, um direito potestativo, isto é, ele faz a escolha e o devedor deve aceitá-la, deve ser portanto, receptício.

Dispõe, efetivamente, o art. 235 do Código Civil: “Deteriorada a coisa, não sendo o devedor culpado, poderá o credor resolver a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu”.

Reduzindo-se, com a danificação, o valor econômico do bem e, com isso, desfeito o equilíbrio na relação jurídica, ao credor compete verificar se, no estado correspondente, ainda lhe interessa, ou não, a coisa, para dela desvincular-se, ou então para aceitar a entrega, com a redução do valor para que seja restabelecido o equilíbrio na relação jurídica.

Havendo culpa pela deterioração, as alternativas deixadas ao credor são as mesmas do supratranscrito art. 235 do Código Civil (resolver a obrigação, exigindo o equivalente em dinheiro, ou aceitar a coisa, com abatimento), mas com direito, em qualquer dos dois casos, à indenização das perdas e danos comprovados.

Prescreve, nesse sentido, o art. 236 do Código Civil: “Sendo culpado o devedor, poderá o credor exigir o equivalente, ou aceitar a coisa no estado em que se acha, com direito a reclamar, em um ou em outro caso, indenização das perdas e danos”. Desse modo, aceitando a coisa tal qual se ache, ou exigindo o equivalente, terá o credor o direito a indenização das perdas e danos.

Observa-se assim que, no geral, sem culpa, resolve-se a obrigação, sendo as partes repostas ao estado anterior, sem perdas e danos. Havendo culpa, estes são devidos(perdas e danos), respondendo o culpado, ainda, pelo equivalente em dinheiro da coisa.


                  
 ǂ   Obrigação de Restituir
A obrigação de restituir é subespécie da obrigação de dar. Caracteriza- -se pela existência de coisa alheia em poder do devedor, a quem cumpre devolvê-la ao dono. Tal modalidade impõe àquele a necessidade de devolver coisa que, em razão de estipulação contratual, encontra-se legitimamente em seu poder.

Na obrigação de restituir, segundo Giselda Hironaka, o que se dá não é o domínio da coisa, mas a devolução da coisa pelo devedor ao credor, que já possui o domínio sob a coisa. Exemplo: Bianco me empresta a pasta dele por um mês. A pasta não é minha, é do Bianco, ele possui o domínio, a propriedade. Passado um mês eu não transfiro o domínio da pasta para este, pois ele já o possui, eu apenas devolvo a coisa emprestada, isto é, a pasta.

É o que sucede, por exemplo, com o comodatário, o depositário, o locatário, o credor pignoratício e outros, que devem restituir ao proprietário, nos prazos ajustados, ou no da notificação quando a avença for celebrada por prazo indeterminado, a coisa que se encontra em seu poder por força do vínculo obrigacional.

Em inúmeras figuras contratuais e na própria lei civil são identificadas obrigações de restituir, como, por exemplo, as de devolução ou restituição de sinal dado (CC, arts. 417 e 420), coisa achada (art. 1.233), recebimento de dívida ainda não vencida em detrimento de outros credores quirografários (art. 162), bens que se encontram na posse de herdeiros da pessoa declarada ausente e que aparece (art. 36), frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé do possuidor (art. 1.214, parágrafo único), bens dados em penhor (art. 1.435, IV), frutos e rendimentos percebidos pelo indigno (art. 1.817, parágrafo único), bens sonegados (art. 1.992) etc.

A obrigação de restituir distingue-se da de dar propriamente dita. Esta destina-se a transferir o domínio, que se encontra com o devedor na qualidade de proprietário (o vendedor, no contrato de compra e venda). Naquela a coisa se acha com o devedor para seu uso, mas pertence ao credor, titular do direito real.

Essa diferença vai repercutir na questão dos riscos a que a coisa está sujeita, pois se se perder, sem culpa do devedor, prejudicado será o credor, na condição de dono, segundo a regra res perit domino.

Dispõe o art. 238 do Código Civil: “Se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor, se perder antes da tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá, ressalvados os seus direitos até o dia da perda”.

Na obrigação de restituir coisa certa ao credor, como já dito, o prejudicado será este, na condição de dono. Assim, se o animal objeto de comodato, por exemplo, não puder ser restituído, por ter perecido devido a um raio, resolve-se a obrigação do comodatário, que não terá de pagar perdas e danos, exceto se estiver em mora, quando então responderá pela impossibilidade da prestação mesmo que esta decorra de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso (CC, art. 399).

Suportará a perda, assim, no exemplo dado, o comodante, na qualidade de proprietário da coisa, “ressalvados os seus direitos até o dia da perda” (CC, art. 238, parte final). Por conseguinte, se a coisa emprestada, verbi gratia, gerou frutos, naturais ou civis (como os aluguéis), sem despesa ou trabalho do comodatário, terá aquele direito sobre eles (CC, art. 241).

O Art. 239 impõe que “Se a coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo equivalente, mais perdas e danos”.  

A obrigação de restituir importa o dever conservar a coisa e zelar pela coisa;  deixando de fazê-lo, o devedor sofre as consequências da sua culpa: deve ressarcir o mais completamente possível a diminuição causada ao patrimônio do credor, mediante o pagamento do equivalente em dinheiro do bem perecido, mais as perdas e danos, que é a sanção civil.

O art. 240, primeira parte, do Código Civil que, “se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o credor, tal qual se ache, sem direito a indenização”.

Mais um vez, a solução é dada pela regra res perit domino. Se a coisa se danificar (perda parcial) sem culpa do devedor (em razão de caso fortuito e da força maior, p. ex.), suportará o prejuízo o credor, na qualidade de proprietário. No entanto, havendo culpa do devedor na deterioração, “observar-se-á o disposto no art. 239” (CC, art. 240, segunda parte), ou seja, responderá o devedor pelo equivalente em dinheiro, mais perdas e danos, que compreendem o dano emergente e o lucro cessante.

Observa-se, em resumo, que o devedor está obrigado a restituir a coisa tal qual a recebeu. Se esta se deteriora sem culpa sua, não pode ele ser responsabilizado pelo prejuízo, sofrido exclusivamente pelo dono, isto é, pelo credor. Nenhum motivo, jurídico ou moral, poderia ditar solução diferente.

Todavia, se causada a deterioração por culpa do devedor, que se omitiu, por exemplo, ao dever de custodiar, cabe-lhe suportar as consequências de sua desídia. Assiste, neste caso, ao credor direito de exigir o equivalente em dinheiro, podendo optar, todavia, pelo recebimento da coisa, no estado em que se achar, acrescido das perdas e danos, num e noutro caso.

ǂ   Obrigação de Dar Coisa Incerta
A “coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade”(Art. 243do CC). Já vimos que a coisa certa é a individualizada, determinada. A expressão “coisa incerta” indica que a obrigação tem objeto indeterminado, mas não totalmente, porque deve ser indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade. É, portanto, indeterminada, mas determinável. Falta apenas determinar sua qualidade.


                                       

A coisa incerta é determinável, faltando apenas que se determine a sua qualidade. Se faltar também o gênero, ou a quantidade (qualquer desses elementos), a indeterminação será absoluta, e a avença(o contrato), com tal objeto, não gerará obrigação. Não pode ser objeto de prestação, por exemplo, a de “entregar sacas de café”, por faltar a quantidade, bem como a de entregar “dez sacas”, por faltar o gênero, isto é, dez sacas de que espécies de grãos, ou de quê?

Mas constitui obrigação de dar coisa incerta a de “entregar dez sacas de café”, porque o objeto é determinado pelo gênero e pela quantidade. Falta determinar somente a qualidade do café. Enquanto tal não ocorre, a coisa permanece incerta.

A principal característica dessa modalidade de obrigação reside no fato de o objeto ou conteúdo da prestação, indicado genericamente no começo da relação, vir a ser determinado por um ato de escolha, no instante do pagamento. Esse objeto são, normalmente, coisas que se determinam por peso, número ou medida.

Obrigações de dar coisa incerta, também chamadas de genéricas, distinguem-se das de dar coisa certa, também conhecidas como específicas, sob vários aspectos. Nas primeiras, a prestação não é determinada, mas determinável, dentre uma pluralidade indefinida de objetos; nas segundas, a prestação tem, desde logo, conteúdo determinado, pois concerne a um objeto singular, perfeitamente individualizado e apartados de outros do mesmo gênero.

Observe-se que coisa incerta não é coisa totalmente indeterminada, ou seja, não é qualquer coisa, mas uma parcialmente determinada, suscetível de completa determinação oportunamente, mediante a escolha da qualidade ainda não indicada. As obrigações de dar coisa incerta são, segundo J.C. Bianco, transitórias, pois antes do(ou no) momento do pagamento se transformam em obrigações de dar coisa certa para poderem serem cumpridas, executadas.

Anote-se também que nas obrigações de dar coisa incerta o devedor se encontra em situação mais cômoda, porque se libera com uma das coisas compreendidas no gênero indicado, à sua escolha.

As obrigações de dar coisa incerta têm acentuada afinidade com as obrigações alternativas. Em ambas a definição a respeito do objeto da prestação se faz pelo ato de escolha e esta escolha do objeto passa a se chamar concentração*. Em ambas também compete ao devedor a escolha, se outra coisa não se estipulou; diferem pelo fato de as alternativas conterem dois ou mais objetos individuados, devendo a escolha recair em apenas um deles; nas de dar coisa incerta, o objeto é um só, apenas indeterminado quanto à qualidade. Nas obrigações alternativas, a escolha recai sobre um dos objetos in obligatione, enquanto nas últimas, sobre a qualidade do único objeto existente. Nas primeiras, ainda, tem consequência relevante o perecimento de um dos objetos a ser escolhido, ocorrendo a concentração, neste caso, por força da lei e, portanto, independentemente de escolha, no remanescente.

*concentração – momento precedente a entrega da coisa que é o ato de escolher o que vai ser entregue. Após a concentração passa a obrigação a ser obrigação de dar coisa certa, posto que se determina individualizando a coisa a ser entregue.

Na obrigação de dar coisa incerta, a posição do devedor é mais favorável porque se desvencilha do vínculo com a entrega de uma das coisas ou de um conjuto de coisas compreendidas no gênero indicado, todavia, sua responsabilidade pelos riscos é maior, haja vista que, na obrigação de dar coisa certa, se esta se perder sem culpa do devedor, se resolve a obrigação, mas na obrigação genérica, ou de dar coisa incerta, o gênero nunca perece(“genus nunquam perit”), antes da escolha, não podendo o devedor “alegar perda ou deterioração da coisa ainda que por força maior ou caso fortuito”(Art. 246 do CC). Se alguém se obriga a entregar  mil sacas de fatinha de trigo, continuará obrigado a tal, ainda que seu poder não possua referidas sacas, ou que parte ou total delas tenha se perdido, posto que o devedor pode ainda conseguir essas sacas e cumprir a obrigação tal qual contratada.

Costuma-se apontar, também, a diferença existente entre obrigação de dar coisa incerta e obrigação fungível. A obtigação de dar coisa incerta tem por objeto coisa indeterminada, que ao devedor cabe entregar, com base na qualidade média, para efeito de liberação do vínculo. A obrigação fungível é composta de coisa fungível, que pode ser substituída por outra da mesma espécie, qualidade e quantidade(p. ex., o dinheiro), para efeito de desvinculação do devedor.

A determinação da qualidade da coisa incerta perfaz-se pela concentração(ou escolha,), como visto; feita esta, e cientificado o credor, acaba a incerteza, e a coisa torna-se certa, vigorando, então, as normas da seção anterior do Código Civil, que tratam das obrigações de dar coisa certa, conforme o art. 245 do CC: “cientificado da escolha o credor, vigorará o disposto na Seção antecedente”.

O ato unilateral de escolha denomina-se concentração. Para que a obrigação se concentre em determinada coisa não basta a escolha. É necessário que ela se exteriorize pela entrega, pelo depósito em pagamento, pela constituição em mora ou por outro ato jurídico que importe a cientificação do credor.

Com a concentração passa-se de um momento de instabilidade e indefinição para outro, mais determinado, consubstanciado, por exemplo, em pesagem, medição, contagem e expedição, conforme o caso em questão.

A reserva legal da escolha caberá ao devedor como dispõe o Art. 244:“Nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha pertence ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação; mas não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor”. Portanto, a escolha só competirá ao credor se o contrato assim dispuser. Sendo omisso nesse aspecto, ela pertencerá ao devedor. Isso objetiva possibilitar todos os modos e facilidades, afastando possíveis entraves, ao pagamento, impostos pelo credor.

Contudo é interessante mencionar que há limites à atuação do devedor, dispondo o Art. 244, ultima parte que “não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor”. Deve, portanto, guardar o meio-termo entre os congêneres da melhor e da pior qualidade. Pior é a coisa que está abaixo da média. Adotou-se, desse modo, o critério da qualidade média ou intermediária. Se alguém, por exemplo, se obrigar a entregar uma saca de café a outrem, não se tendo convencionado a qualidade, deverá o devedor entregar uma saca de qualidade média. Se existirem três qualidades, A, B e C, entregará uma saca de café tipo B. Nada impede, porém, que opte por entregar, em vez de saca de qualidade intermediária, a de melhor qualidade. Apenas não pode ser obrigado a fazê-lo.

Esse é o parâmetro que deve guiar o julgador, quando o credor rejeitar escolha, valendo-se ainda dos usos e costumes do lugar da execução ou da conclusão do negócio jurídico

Se, no entanto, da coisa a ser entregue só existirem duas qualidades, poderá o devedor entregar qualquer delas, até mesmo a pior. Caso contrário, escolha não haverá. Nessa hipótese torna-se inaplicável, pois, o critério da qualidade intermediária.

Dispõe o art. 246 do Código Civil: “Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração
da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito”.

Os efeitos da obrigação de dar coisa incerta devem ser apreciados em dois momentos distintos: a situação jurídica anterior e a posterior à escolha. Determinada a qualidade, torna-se a coisa individualizada, certa, antes da escolha, porém (a definição somente se completa com a cientificação do credor), quer pelo devedor, quer pelo credor, permanece ela indeterminada, clamando pela individuação, pois a só referência ao gênero e quantidade não a habilita a ficar sob um regime igual à obrigação de dar coisa certa.

Nesta última fase, se a coisa se perder, não se poderá alegar culpa ou força maior. Só a partir do momento da escolha é que ocorrerá a individualização e a coisa passará a aparecer como objeto determinado da obrigação.

Antes, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração, ainda que por força maior ou caso fortuito, pois o gênero nunca perece (genus nunquam perit)., isto é, o gênero ilimitado. Se alguém, por exemplo, obriga-se a entregar dez sacas de café, não se eximirá da obrigação, ainda que se percam todas as sacas que possui, porque pode obter, no mercado ou em outra propriedade agrícola, o café prometido. Entram nessa categoria também as obrigações em dinheiro, pois o devedor não se exonera se vem a perder as cédulas que havia separado para solver a dívida.

Diferente será a solução se se obrigar a dar coisa certa, que venha a perecer, sem culpa sua (em incêncio acidental, p. ex.), ou se se tratar de gênero limitado, ou seja, circunscrito a coisas que se acham em determinado lugar (animais de determinada fazenda, cereais de determinado depósito etc.). Sendo delimitado dessa forma o genus, o perecimento de todas as espécies que o componham acarretará a extinção da obrigação. Não há, nesse caso, qualquer restrição à regra genus nunquam perit ou genus perire non censetur. Exemplo: se “A”, livreiro, emprestar a “B”, um colega também livreiro, cinquenta exemplares de uma obra “X”, para lhe serem restituídos daí a seis meses, e se no fim desse prazo a obra estiver esgotada, haverá impossibilidade absoluta de restituir exemplares novos.

ǂ   Obrigação Pecuniária
Também chamada de “Obrigação de Solver Dívida em Dinheiro”, a Obrigação Pecuniária é espécie de obrigação de dar cuja prestação consiste na entrega ao credor de certa soma em dinheiro. 

Segundo Venosa, obrigação pecuniária “é a que tem por objeto certa quantia em dinheiro”.

Diz-se Obrigação pecuniária por derivação do termo pecúnia, que vem do grego “pecus” e significa gado, o qual durante um período da história servia como uma forma de moeda de troca por ser de fácil mobilidade e por estarem os metais preciosos escassos.

Obrigação pecuniária é, portanto, obrigação de entregar dinheiro, ou seja, de solver dívida em dinheiro. É  espécie particular de obrigação de dar e tem por objeto uma prestação em dinheiro e não uma coisa, como na obrigação de dar coisa certa ou incerta.

OBSERVAÇÃO: não é qualquer obrigação que tenha por objeto espécies representativas de dinheiro (moedas, notas ou títulos) que se consome uma obrigação pecuniária. P. ex.: se alguém comprar as moedas raras "x" e "y" para sua coleção, o vendedor terá de entregar exatamente as moedas "x" e "y", por se tratar de uma obrigação de dar coisa certa que tem por objeto  determinadas espécies monetárias, mas não se tem, nesse caso, obrigação pecuniária. Igualmente, se uma loja especializada em numismática se obrigar a entregar a um freguês dez notas de R$ 100,00 de determinada emissão, a obrigação diz respeito ao gênero de certas espécies monetárias, sendo, por isso, uma obrigação de dar coisa incerta e não uma obrigação pecuniária.

Preceitua o art. 315 do Código Civil que “as dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subsequentes”, que preveem a possibilidade de corrigi-lo monetariamente.

OBSERVAÇÃO: valor nominal da moeda é o referido a unidades monetárias do sistema pelo qual a nota ou moeda é colocada em circulação, ou seja, o valor legal que lhe foi outorgado pelo Estado, no ato da emissão ou da cunhagem. Logo, esse valor é o que se encontra impresso na cédula ou peça. 

O Código Civil adotou, assim, o princípio do nominalismo, pelo qual se considera como valor da moeda o valor nominal que lhe atribui o Estado, no ato da emissão ou cunhagem. De acordo com o referido princípio, o devedor de uma quantia em dinheiro libera-se entregando a quantidade de moeda mencionada no contrato ou título da dívida, e em curso no lugar do pagamento, ainda que desvalorizada pela inflação, ou seja, mesmo que a referida quantidade não seja suficiente para a compra dos mesmos bens que podiam ser adquiridos, quando contraída a obrigação, como seria numa dívida de valor, por exemplo, em que se prezaria pelo poder aquisitivo.

Pelo princípio do nominalismo, em não se admitindo o emprego da moeda senão pelo valor nela estampado, o valor estaria à mercê do sabor da economia podendo sofrer enorme variação para mais ou para menos de acordo com os rumos desta.

Distingue-se a dívida em dinheiro(que é a obrigação pecuniária) da dívida de valor. Na primeira, o objeto da prestação é o próprio dinheiro, como ocorre no contrato de mútuo, em que o tomador do empréstimo obriga-se a devolver, dentro de determinado prazo, a importância levantada. Quando, no entanto, o dinheiro não constitui objeto da prestação, mas apenas representa seu valor, diz-se que a dívida é de valor; a obrigação de indenizar, decorrente da prática de um ato ilícito, por exemplo, constitui dívida de valor, porque seu montante deve corresponder ao do bem lesado. Outros exemplos dessa espécie de dívida podem ser mencionados, como o decorrente da desapropriação (o montante da indenização corresponde ao valor da coisa desapropriada) e a resultante da obrigação alimentar (cujo valor representa a medida da necessidade do alimentando).

A dívida de valor é aquela em que “o débito não é certo número de unidades monetárias, mas o pagamento de uma soma correspondente a certo valor”.

OBSERVAÇÃO: dívida em dinheiro: valor certo, imutável, nominal, expresso. dívida em valor: valor que possibilita o poder de compra, poder aquisitivo da moeda.

A obrigação de solver dívida em dinheiro abrange também, além das dívidas pecuniárias (que têm por objeto uma prestação em dinheiro) e das dívidas de valor, as dívidas remuneratórias, representadas pelas prestações de juros.

Os juros constituem, com efeito, remuneração pelo uso de capital alheio, que se expressa pelo pagamento, ao dono do capital, de quantia proporcional ao seu valor e ao tempo de sua utilização. Pressupõe, portanto, a existência de uma dívida de capital, consistente em dinheiro ou outra coisa fungível. Daí a sua natureza acessória.

Uma das formas de combater os efeitos maléficos decorrentes da desvalorização monetária é a adoção da cláusula de escala móvel, pela qual o valor da prestação deve variar segundo os índices de custo de vida.

As cláusulas de escala móvel permitem estabelecer previamente possibilidade de revisão no valor dos pagamentos pecuniários a serem efetuados, tomando-se por base os valores de certos bens ou serviços no momento do adimplemento, servindo para amparar o credor em face da inflação.

OBSERVAÇÃO:  A escala móvel ou critério de atualização monetária, que decorre de prévia estipulação contratual, ou da lei, não se confunde com a teoria da imprevisão, que poderá ser aplicada pelo juiz quando fatos extraordinários e imprevisíveis tornarem excessivamente oneroso para um dos contratantes o cumprimento do contrato, e recomendarem sua revisão.

O Art. 318 preceitua que serem “nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor desta e o da moeda nacional, excetuados os casos previstos na legislação especial”. Desse modo está reiterada nulidade da chamada cláusula-ouro ou da convenção do pagamento em moeda estrangeira.

O Decreto-Lei n. 857/69, veda o pagamento em moeda estrangeira, mas estabelece algumas exceções, das quais se destacam a permissão de tal estipulação nos contratos referentes a importação e exportação de mercadorias e naqueles em que o credor ou devedor seja pessoa residente e domiciliada no exterior.

Durante uma época a moeda brasileira tinha como meio de pagamento, curso legal, mas não curso forçado,  desse modo pudia o devedor liberar-se pagando em qualquer moeda estrangeira. Com o Decreto n.  23.501, de 27 de novembro de 1933, instaurou-se o curso forçado, não podendo o pagamento ser efetuado em outro padrão monetário, salvo algumas poucas exceções, como consignado no Decreto--Lei n. 857/69 retromencionado.

Moeda de curso forçado, portanto, é a única admitida pela lei como meio de pagamento no País, no nosso caso, é o Real, criado pela Lei n.9.065/95.

VOCÊ TAMBÉM PODE SE INTERESSAR POR

1 opiniões

MUDAR PARA OUTROS IDIOMAS

ACOMPANHE-NOS NAS REDES SOCIAIS